Chegada a 15ª jornada, o grande circo apresenta-se em terras da mãe-Rússia. Estando a apenas quatro provas do final, Sochi poderá tornar-se o palco da decisão do Mundial de Construtores. Há semelhança do ano passado, a Mercedes chega a esta altura do campeonato com as mesmas 3 derrotas que no ano passado e para ser campeã apenas necessita de mais 3 pontos que os realizados pela Ferrari.
Da perspectiva dos pilotos, os olhos continuam postos nos Silver Arrows e quem se perfila para os conseguir bater. Apesar de Suzuka ter retomado o ritmo habitual dos monolugares germânicos, Vettel e a Ferrari continuam a ser uma ameaça muito forte ao 2º lugar (quem sabe ao 1º também?) e encontram-se motivados pela excelente vitória em Singapura.
A zona
O circuito de Sochi está situado dentro do complexo desenvolvido para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Senão fosse este GP, o parque olímpico retractaria uma cidade abandonada, semelhante à que vemos nos filmes. Tendo sido investidos mais de 45M€, o governo russo não soube rentabilizar as suas edificações, tendo completamente ao abandono os bairros designados para os atletas olímpicos e imprensa internacional. Chega a ser contraditório um pais com um desfasamento tão grande nas suas classes, não conseguir aproveitar estes empreendimentos para reinserção social e assim relançar a demografia na província de Krasnodar Kai, viabilizando um nível de vida aceitável para famílias menos privilegiadas.
Vivendo em clima de dificuldades financeiras, o governador da província de Krasnodar, Veniamin Kondratiev, notificou o governo russo que precisaria de apoios para concluir o pagamento à FOM pelos direitos de organização do GP. Kondratiev alegou que não iria utilizar o orçamento da província na prova, quando tem temas mais prioritários como a saúde e a educação. O governo lá acabou por abrir os cordões à bolsa e a prova manteve-se no calendário. É preciso não esquecer que boa parte destas dificuldades financeiras foram causadas pela desvalorização cambial após as sanções definidas pela UE e EUA (já lá vamos mais à frente): o Rublo vale aproximadamente menos 30% que o Euro.
É de criticar também a aposta geográfica: Sochi situa-se a 1624km (!) do maior centro cosmopolita russo: Moscovo. Ou seja, são 2h de avião e 20h de carro. Sochi tem 343 mil habitantes e Moscovo 14 milhões… A distância e densidade populacional acabam por justificar as fracas audiências do ano passado: apenas 45 mil pessoas assistiram à prova. Neste ano, as vendas de bilhetes não são animadoras e esperam-se ainda menos espectadores. Assumindo que ter um talento nacional como Kvyatt na Red Bull não seja o suficiente, os valores são demasiado curtos para o retorno esperado. Para além disso, a logística de deslocação das equipas para o espaço russo é extremamente exigente.
O circuito
O GP de Sochi integrou o calendário pela primeira vez no ano passado e tornou-se uma pista que dividiu os pilotos. O circuito estende-se por mais de 5km, usando algumas ruas do parque olímpico e conferindo-lhe um ambiente de circuito citadino. Constituído por 19 curvas de média e baixa velocidade, a sua junção com os troços mais rápidos não foi feita da melhor forma, levando alguns pilotos como Daniel Ricciardo a salientar que “quando vamos dentro do carro temos curva a 90º, recta, curva a 90º, recta, curva a 90º, recta… Torna-se aborrecido”. O circuito é constituído por dois sectores rápidos (1º e 3º) onde são esperadas velocidades superiores a 320km/h e um bastante técnico (2º), rodeado de muros e pista mais curta, que dificultará bastante as ultrapassagens.
São esperadas cargas aerodinâmicas a “meio-termo”, de modo a não sobrecarregar as zonas rápidas e garantir aderências nas curvas mais lentas. Devido aos ângulos apertados, um pequeno erro em curva penaliza uma volta inteira e deixará o piloto vulnerável até ao próximo troço rápido para recuperar o tempo perdido. A abordagem da Pirelli baixou um degrau em relação ao ano passado, apostando agora em macios e super-macios. Em 2014, a estratégia da maioria das equipas passou por uma só paragem, com os compostos médios a aguentar bem o impacto da corrida. Este facto levou os estrategas da F1 e da Pirelli a decidirem em 2015 pelos compostos mais macios, por forma a forçar um maior número de paragens na box e lançar emoção na corrida. Sabendo que este asfalto é bastante abrasivo (como o são todos que tenham sectores citadinos), a chave de uma performance competente está na gestão dos pneus, estabilidade dos travões e capacidade de tração que cada equipa consiga extrair.
F1 e a política externa
E a título de curiosidade, será que este ano teremos outra entrada triunfal de Vladimir Putin? Em 2014, o Presidente russo roubou as atenções mediáticas da transmissão, tendo grande destaque a sua conversa com Bernie Ecclestone na bancada, a felicitação aos pilotos no final da prova e a entrega do prémio ao vencedor. Especulo que Putin teve mais tempo de antena nessa altura que os dois Mercedes este ano em Suzuka… É sabido que a transmissão televisiva da F1 obedece a critérios exigentes definidos por Ecclestone, pelo que não foi ‘acidental’ tal feito.
É preciso não esquecer a crise humanitária e politica desencadeada pela Rússia no passado ano: a invasão da península da Crimeia, pertencente ao território ucraniano, que resultou na morte de 7000 pessoas. Esta intervenção militar acabou por ser sancionada pela UE e EUA, que acabou por deixar a Rússia num papel muito delicado junto da comunidade internacional. A visão belicista atribuída a Vladimir Putin é a mesma que foi substituída por uma mais sorridente ao lado de Ecclestone. E é sabido que alguns patrocinadores do grande circo não gostam de ver o seu nome associado ao Presidente russo. A juntar a isto, estamos a falar de um pais que é um dos principais veículos do tráfico humano a nível mundial e dos mais opressores a nível das leis do trabalho.
Resumindo: apesar de existirem GPs em países cujos direitos humanos possam ser ameaçados pelas políticas vigentes, é importante a Formula 1 (no papel de Ecclestone) não se mostre demasiado ligada à figura dessas políticas. Neste momento Bernie não consegue assumir uma postura neutra, fazendo questão de passar uma imagem de compadrio com elementos de cariz duvidoso junto da opinião internacional.
Equipas

O senso comum diz-me que há-de ser um fim-de-semana igual a Suzuka. Hamilton mais forte, Rosberg a ceder, Vettel a aproximar-me da linha da frente. Mas há um factor desestabilizador que relembra Singapura: os pneus super-macios. A Mercedes não lidou bem com as temperaturas ideais deste composto e viu a vida andar para trás, quando foi batida sem espinhas pela Ferrari e RedBull na qualificação. De qualquer forma a temperatura do asfalto é completamente diferente de Singapura, pelo que estes receios podem não se materializar. A nível interno, podemos vir a ter um dejá vu das habituais declarações: durante a semana Rosberg diz que não desiste do título, aos sábados senão ganhar a pole diz não perceber “o porquê” e ao domingo diz que fez tudo o que estava ao seu alcance, mas o colega foi melhor. Falta tanta chama a este piloto… Auguro um rude golpe na sua carreira se continuar na Mercedes no próximo ano, se mantiver a baixíssima ambição e raça que demonstrou até agora.

A meteorologia também pode baralhar as contas deste fim-de-semana: chuva leve no sábado e forte no domingo. Já vimos como as mudanças bruscas da pluviosidade (acompanhadas de acidentes) em Suzuka estragaram os treinos livres e a qualificação. Esta pode ser uma aberta a explorar pela Ferrari. Se houver um golpe de teatro no sábado que coloque Vettel acima de Rosberg ou Hamilton, é certo que vamos ter os Silver Arrows numa posição pouco habitual, mais preocupados com lutas abaixo da 1ª linha. E bem sabemos que pilotos nervosos ou stressados estão mais sujeitos a cometer erros. A juntar a isto, Singapura e Suzuka mostraram problemas de fiabilidades nos W06 que se continuarem em Sochi, podem pender a balança para o lado da Scuderia. Mesmo que a chuva não seja actor principal, Sebastien Vettel como Kimi Raikonnen possuem monolugares muito equilibrados que permitem uma boa gestão de pneus, pelo que se espera uma dura batalha.

A Red Bull vai tentar capitalizar o facto de ter o piloto da casa e atingir um lugar respeitável na classificação. Daniil Kvyatt deu nas vistas o ano passado quando qualificou o seu Toro Rosso no 5º lugar e espera-se novamente um bom resultado. Daniel Ricciardo, algumas vezes batido pelo jovem russo, vai querer mostrar quem é o chefe de fila. E se a pressão em pista é alta, fora dela também. A Red Bull continua sem fornecedor oficial de motores para a próxima época, continuando no ar um possível abandono. No entanto, a situação tomou esta semana contornos mais positivos, com Christian Horner a indicar que foram retomadas as conversações com a Mercedes, estando a “decisão num nível acima de Toto Wolf”. Com tudo isto, a curiosidade também é muita com os upgrades da Renault a estrear nesta corrida.
Um piloto experiente como Filipe Massa não se deve afectar pelas estatísticas, mas com certeza que não gostou de ver o seu nome na lista do piloto que mais posições perdeu no arranque de corrida, desde o GP belga. Desde que foi imposta a proibição do apoio do engenheiro ao arranque, o brasileiro perdeu 15 posições (também justificado pelo acidente com Daniel Ricciardo em Suzuka). Se for como Raikonnen, esteve a treinar centenas de vezes no simulador e tem agora a oportunidade para mostrar ao mundo que sabe fazer melhor. Quem sabe fazer melhor é a Williams, que já arranjou soluções para a baixa performance nos circuitos lentos e tem agora a oportunidade de uni-los às boas prestações em circuitos rápidos. Tendo uma pista que privilegia os dois, a equipa tem expectativas de um bom resultado e quem sabe repetir o 3º lugar de Valteri Bottas do ano passado.

As expectativas da Toro Rosso poderão passar pela colocação dos seus pilotos na Q1 e quem sabe fazer uma boa maquia de pontos no final da corrida. Tem sido uma equipa demasiado fustigada pelos problemas mecânicos e eléctricos que os têm impedido de subir na grelha. Mas as corridas têm sido emocionantes com Max Verstappen e Carlos Sainz Jr. a mostrar que são donos de um talento enorme e a trazer alma às lutas a meio do pelotão.
Depois do desabafo polémico de Fernando Alonso no último GP, em que colocou o desempenho do monolugar ao nível de um da categoria GP2, a McLaren-Honda caminha sobre as brasas em Sochi. Percebendo que a mensagem tinha atingido o coração dos japoneses na sua corrida natal, Alonso já veio atenuar as declarações, mostrando estar de corpo e alma com a equipa e ansioso pelas novidades que irão ser apresentadas em 2016. No entanto, o próprio director de equipa, Eric Boullier, já veio a público pedir à Honda para “rectificar o quanto antes o seu sistema hibrido imaturo”. Alguma bipolaridade no seio desta equipa, onde num dia se apela ao consenso e união e no outro se estica a mão para cascar no parceiro. O discurso do francês também aposta muito na 3ª pessoa do plural e não na 1ª: “A Honda consegue ultrapassar a situação” ao invés de “nós conseguimos ultrapassar a situação”. O que mostra que a Honda continua a não aceitar uma colaboração mais estreita com a McLaren e que poderá arcar sozinha com as consequências futuras de uma má performance.
Não usufruindo de rectas curtas que mascarem o seu problema de boost nas unidades hibridas (como em Singapura), não é esperado um milagre e as prestações da equipa deverão ser similares a Suzuka. A boa notícia é que Jenson Button foi confirmado para 2016 e quem sabe por mais anos.

As expectativas são boas para a Sauber, que vai tentar explorar um pouco mais das actualizações feitas aos monolugares em Singapura. Filipe Nasr é um estreante nesta pista, mas as suas memórias de GP2 não o deixarão ficar mal. Marcus Ericsson correu pela Caterham no ano passado e prevê “uma corrida decente” com o seu monolugar.
Da Manor as expectativas são baixas, apesar de estar motivada pelas suas raízes com o pais anfitrião. Certamente Alexander Rossi e Will Stevens gostariam que o protocolo para o fornecimento de motores Mercedes fosse antecipado uns meses e pudessem desde já retirar os devidos frutos…
Dados estatísticos
Comprimento: 5.853 km
Voltas: 53
Distância de corrida: 310,21 Km
Volta record em corrida: Valteri Bottas, 2014, 1:40:896
Volta record: Lewis Hamilton, 2014, 1:38:513
Passagens de caixa por volta: 59
Nível aerodinâmico: Médio
Pneus: Macios e Super Macios
E o que pensam os nossos leitores? Deixem a vossa opinião na caixa de comentários!
Onboard da pista:
No ano passado foi assim:
Marcos Gonçalves