(Link para a 1ª parte do artigo)
Em 2015:
Os problemas de sempre (incluindo o chassis…)
E o ano de 2015 começa como terminou o anterior: power unit e chassis pouco performantes. A tolerância austríaca estava no limite, tendo sido comum a troca pública de galhardetes entre Christian Horner e Cyril Abiteboul (Renault F1). O problema é que a Renault sabia qual a sua quota-parte de responsabilidade no problema; a Red Bull não. Com excepção de Helmut Marko (poucas vezes acertou este ano) e Daniel Ricciardo que constataram que aquele chassis é do menos competente que há memória naquela casa, todos os outros intervenientes fizeram questão de apontar a péssima época como única responsabilidade da marca francesa. Mas os factos falam-nos em cargas aerodinâmicas aquém do previsto, a juntar à questão do sobreaquecimento do sistema de travagem, derivado da habituação ao novo fornecedor. Aliás, basta olhar para o bom desempenho da Toro Rosso em algumas qualificações para ver que a afinação aerodinâmica do irmão mais novo deu frutos: Espanha, Áustria, Itália e Rússia.
Até ao momento, a Red Bull conseguiu 2 pódios: na Hungria (2º Kvyatt; 3º Ricciardo) e Singapura (2º Ricciardo) e 3 desistências: China (Kvyatt), Bélgica (Ricciardo) e Inglaterra (Ricciardo). A Renault joga a cartada final no circuito das Américas, gastando os seus últimos tokens. Será que a nova unidade vai ser competente ou os seus resultados vão ser mascarados por um problema que a Red Bull insiste em não querer ver? Até pode acontecer os austríacos não quererem perder posições no grid pela troca de motor (os dois pilotos já excederam o limite de 5 motores/ano) enquanto estiverem em luta aberta com a Williams pela 3ª posição… A ver vamos.
Domínio ou ciclo natural?
Helmut Marko: “A Mercedes está demasiado forte… Senão mudarem as regras, vão matar o desporto.”
E que nos proteja o Céu das suas palavras, pois é péssimo para a modalidade existir uma equipa que tenha um domínio tão evidente…! Claramente o austríaco esqueceu-se da McLaren-Honda de Senna com o seu MP4-4 (até MP4-6), da Ferrari de Schumacher com o seu F2000 (até F2004) e mais recentemente, de Vettel com o seu (e também dele) RB6 (até RB9). Assim de repente, estamos a falar de 3 equipas que dominaram a modalidade durante 13 dos últimos 26 anos, vencendo cerca de 80% das provas nessas épocas. São 50% de domínio cíclico, como invariavelmente acontece em qualquer outra modalidade de alta-competição. Basicamente, Marko queria uma competição mais justa em que todos tivessem igual oportunidade de lutar pelo título… mas que no final vencesse sempre a Red Bull (no futebol, dizem o mesmo do 11 contra 11 e “mais-não-sei-o-quê” da Alemanha…).
Igualdade para todos?
Christian Horner: ”A diferença da Red Bull para a Mercedes é tão grande que a FIA tem de criar rapidamente um mecanismo igualitário.”
Compreende-se o sentimento de impotência da Red Bull, pois tem de dividir a culpa com o construtor. Por norma, quando somos os únicos responsáveis pela nossa derrocada, torna-se mais fácil digerir a situação e encontrar meios para dar a volta por cima. Mas podendo haver um elemento (Renault) que assuma as culpas, é mais fácil para a Red Bull ignorar o que se passa debaixo do seu telhado, achando que os louros do tetra-campeonato são agora postos em causa apenas pela power unit francesa. E o jogo de xadrez austríaco não se desenrola apenas ao nível da motorização, pois várias vezes este ano exigiu uma mudança nos regulamentos (aqueles que são sujeitos ao escrutínio de todas as equipas, lembram-se?). Após a 1ª corrida da época, Christian Horner e Helmut Marko queriam rever as bases do desenvolvimento anual, “criando um mecanismo igualitário” de forma a reduzir o gap para a Toda-Poderosa Mercedes. Curiosamente este mecanismo igualitário não foi pensado em 2010, por altura das novas regulamentações criadas para reduzir a influencia aerodinâmica nos monolugares. Nessa altura, a FIA definiu asas dianteiras mais largas e baixas, enquanto a traseira ficou mais alta e estreita. Os desenvolvimentos no chassis também ficaram muito mais restritos e estandardizados.
Se bem me lembro, as regras em vigor deixaram alguns “buracos” que foram devidamente aproveitados pela Red Bull. Difusores de ar quente, asas flexíveis, slots de arrefecimento dos travões ou um pseudo-controlo de tracção, muitas foram as “inovações” oferecidas pelos austríacos e que deixaram sempre a concorrência a duvidar se era fruto do seu génio ou se também roçava a ilegalidade. Um pouco dos dois, digo eu. Mas que ninguém se esqueça que nas épocas de domínio alavancado por arrojados desenvolvimentos, não foram criados “mecanismos igualitários” para beneficiar a concorrência.
E para mim está fora de questão invocar a Balança da Performance para reintroduzir motores atmosféricos. Por mais que os fãs gostem deles, não faz sentido os construtores investirem milhões em novas soluções tecnológicas para os V6 turbinados e agora alguém introduzir um V8 antiquado e mais barato. Se falam em paridade no desenvolvimento, têm de ter em conta este ponto.
Dança dos motores
Tal como o Fábio Mendes referiu aqui, chegámos à silly season onde o enfoque não está nos pilotos mas sim nos motores. E se calhar não é só a season que é silly… Vejamos: Primeiro queriam a Mercedes, depois a Ferrari, depois a Audi, depois a Ferrari outra vez, novamente a Mercedes e se calhar até ficam com… a Renault. Irónico não? Parece que quem tanto desdenhou, quer comprar.
Desde o início do ano que os austríacos mostraram vontade de rescindir antecipadamente com a Renault. Começou então a especulação sobre quem iria vitaminar o touro vermelho. A abordagem inicial foi feita à Mercedes, que pela voz de Toto Wolf e Niki Lauda revelaram que já não tinham capacidade para fabricar motores para mais uma equipa-cliente. Off-the-record, a Mercedes revelava que não tinha intenções de dar de mão beijada todo o trabalho desenvolvido nos últimos anos, principalmente a uma equipa que tinha Adrian Newey, conhecido por unir na perfeição chassis brilhantes a motores fantásticos. Depois da 1ª nega, segue-se a Ferrari que logo se mostrou mais aberta ao diálogo. No entanto os italianos que ainda não estão numa posição consolidada, também viram a Red Bull como uma séria ameaça e propuseram fornecer motores deste ano no próximo, i.e., versões desactualizadas. Esta posição da Scuderia enraiveceu a Red Bull, exclamando que os italianos estavam a ‘jogar’ com a situação. Normalmente quando temos a corda na garganta, qualquer retrocesso deixa a pessoa à beira de um ataque de nervos… Aqui não foi excepção.
Mas analisando de forma coerente, um motor Ferrari de 2015 arrisca-se a ser melhor que qualquer um desenvolvido pela Renault em 2016. Aliás, a Toro Rosso mostrou-se disponível para aceitar a oferta. A equipa-mãe é que não estava pelos ajustes, querendo entrar para o recreio dos meninos grandes sem passar pelo parque infantil. Por essa altura também se falou na Audi, o que seria uma adição de peso. No entanto rebentou o escândalo da Volkswagen e o projecto ficou em stand-by, estando o grupo mais preocupado em garantir a sobrevivência das equipas de competição nas modalidades em que já estão envolvidos. Com o cerco a fechar-se, voltam as reuniões com a Mercedes e Ferrari, agora já com um peso maior de Bernie Ecclestone. Mas o desfecho foi igual, ficando em cima da mesa apenas os motores Ferrari de 2015. Ainda na mesma semana onde se extrapolou o regresso da Cosworth, a Red Bull viu com bons olhos a possibilidade de continuar com a Renault… (o contrato ainda não tinha sido rescindido). A mesma Renault que foi acusada publicamente, numa base semanal, de todos os males que assolam a equipa. A minha mãe sempre me ensinou: não cuspas no prato onde comes.

Há quem diga que há muito a questão foi resolvida por Bernie Ecclestone e que tudo o que sai na imprensa são smokes & mirrors. Não acredito nesta teoria: a Red Bull GmbH está cotada em bolsa e toda esta má publicidade afecta negativamente o mercado de acções. E para além disso, os austríacos têm uma massa adepta bastante fiel e realmente consumista do seu merchandising. Do ponto de vista do retrocesso na atractividade do produto, Ecclestone consegue prever o rombo financeiro de 2016, caso conte com menos 4 touros vermelhos no grid (pelo menos até outra equipa assumir esse estatuto, como a história sempre nos ensinou na F1). Como os dólares ainda são a razão primordial para Bernie sair da cama de manha, acredito que se o fornecimento de motores já estivesse assegurado, uma comunicação oficial já tinha sido feita.
A questão financeira
Segundo os dados da Forbes, a Red Bull Racing investiu 1.06 biliões de euros durante a última década. O seu envolvimento com a F1 começou há 20 anos atrás, como pequeno patrocinador e co-proprietário da Sauber e posteriormente como principal patrocinador da Jaguar. Em 2004 compraram a mesma Jaguar e formaram a sua equipa oficial. Começaram com 300 funcionários e na contagem de 2012 mais que duplicou, apontando para os 658. Atualmente fala-se em cerca de 900 funcionários que se distribuem pelas duas equipas.
(Nota: Adrian Newey foi contratado em 2006 por 8.8€M/ano, tendo um salário superior a pilotos como Jarno Trulli (8.45€M), Mark Webber (6.34€M) e Jenson Button (6.34€M). Dietrich Mateschitz é bastante generoso com os seus funcionários…)

Estamos a falar de uma equipa que há 10 anos investiu 18.84M€ no departamento de R&D para rapidamente chegar ao nível das equipas de topo. Recentemente verificou-se que o investimento era seis vezes maior, rondando os 107.66€M. O facto de ser uma marca de referência no sector das bebidas energéticas permitiu-lhes angariar patrocinadores e gerar buzz em redor dos adeptos, tendo o seu Advertising Value Equivalent de 2013 (AVE- valor pago pela exposição televisiva da marca) cifrado em 249€M, valor nunca atingido por mais nenhuma equipa na F1. Nos últimos 5 anos o AVE da equipa atingiu os 1.41€B, permitindo um balanço positivo para o valor investido na modalidade (englobando a Toro Rosso). Todo este mediatismo reverte a favor da casa mãe, que atingiu em 2012 o seu pico de vendas: 5.2 biliões de latas, traduzidos em 5.9€B.
Com este caudal de dinheiro fica complicado perceber a razão de Mateschitz querer abdicar da galinha dos ovos de ouro (principalmente quando a F1 apresenta lucros maiores que outros desportos, como já aqui falei). Mesmo não tendo conquistado um título nos últimos dois anos, a equipa é consistente e tem armas para voltar ao topo em breve. No entanto, Mateschitz está a sofrer do desmame causado pela dominância exagerada dos últimos anos. Agora ao menor contratempo, o projecto lançado há 10 anos deixa de fazer sentido? É aqui que entra em acção a dicotomia “disciplina máxima vs. desenvolvimento futuro”: o downgrade para motores 1.6L V6 turbinados, o fluxo de 100kg/h de combustível e a utilização de unidades hibridas com fontes de energia ecológicas mostram-nos que a Formula 1 continua a ser o farol que ilumina o caminho futuro dos carros de estrada. No entanto os últimos 5 anos fizeram um “baralha e volta a dar” regular nas regras, deixando boa parte das equipas em dificuldades para desenvolver um carro competitivo. Muita delas considera a categoria pouco representativa daquilo que deve ser o pináculo do desporto automóvel.
Os austríacos (juntamente com a Renault) ainda não conseguiram assentar o seu jogo e com certeza já perceberam que vão ter de abrir ainda mais os cordões à bolsa para apanhar a Mercedes. A segunda opção passa pela saída da disciplina e pagamento dos 5 anos em falta no contrato assinado com a FIA, no valor de 500€M. Este valor seria sempre amortizado pela venda de equipamento a outras equipas do grid ou a futuros candidatos a entrar no grande circo. O maior impacto vem para os respectivos funcionários, uma vez que nem todos podem ser incorporados no único departamento que necessite deste tipo de know-how: Red Bull Tecnologies.

Necessariamente, a falta de vitórias regulares e a possibilidade de ter um ROI reduzido no final do ano, deixam Mateschitz à beira de um ataque de nervos e a repensar a atitude da casa mãe nesta modalidade. Os novos tempos já nos mostraram que a Formula 1 não é o único filão à espera de ser explorado com a diversificação e globalização do Desporto (motorizado e não só). A Red Bull está associada à Formula 1, MotoGP, Rally, Rallycross, Drift, BMX, Sky-dive, Cliff-dive, Ski, Snowboard, Kayak, Futebol, Atletismo, Surf, etc. A lista é interminável. Quem não nos diz que a aposta no futebol não é reforçada e Mateschitz avança para mais um clube, depois de ter adquirido o Red Bull Salzburg (Áustria) e o New York Red Bulls (EUA)? Como podem ver, não é por medo de ficar esquecida que a Red Bull não sai da Formula 1.
É bem conhecida a paixão de Mateschitz pela disciplina máxima e como se torna emocional na maneira como aborda os temas respeitantes. O que leva muitas vezes que os seus subordinados sigam o exemplo, como é o caso de Christian Horner e Helmut Marko que acham que a Formula 1 não sobrevive sem eles. Nada mais errado. Simplesmente exige-se ponderação na abordagem e acima de tudo respeito pelos intervenientes. Se há coisa que nós, fãs, gostamos é de um campeão lutador. Uma equipa que saiba ultrapassar as dificuldades e mostrar que o seu trabalho árduo deu frutos. Não gostamos de equipas que querem viver do passado, escondidas em estatutos e exigindo igualdade quando ainda não fizeram por a merecer.

Recentemente comentaram comigo: “Gosto muito mais do Vettel desde que saiu da Red Bull. Já não é tão antipático e parece um piloto diferente”. É verdade. Mas a grande diferença foi operada naquilo que o piloto tem à sua disposição e como isso influencia a sua forma de ver o mundo. Vettel foi para uma Ferrari em recuperação, sem ilusões de ganhar o campeonato e sabendo como é importante o trabalho desenvolvido numa base diária. Vive num ambiente de engenheiros, projectistas e mecânicos famintos, todos sedentos por conquistas e ansiando o reconhecimento do seu esforço. Vettel sabe que as poucas vitórias deste ano alimentam a ilusão de ser campeão, mas também o deixam com os pés bem assentes no chão, mostrando que no GP seguinte aquela vantagem pode ser fugaz. Com isto, ele sente-se vivo… E pela primeira vez em muitos anos, ele desfruta daquilo que a F1 deve ser: um confronto de homens pelo título do piloto mais rápido. E aquele sorriso característico de Vettel que no passado só víamos na hora de abrir o champagne, agora aparece-nos a toda a hora. O piloto levou um banho de humildade e realismo e com isso tornou-se mais feliz. Já era altura da Red Bull aprender algo com um ex-funcionário.
Marcos Gonçalves