Ninguém esperava diferente (infelizmente). As capas dos principais jornais desportivos passaram completamente ao lado do fim de semana ao nível do desporto motorizado e não faltaram motivos para que as primeiras páginas tivessem no mínimo uma referência breve aos feitos dos nosso compatriotas.
No sábado tivemos boas notícias vindas do Bahrain: Filipe Albuquerque sagrou-se vice-campeão em LMP2 e Rui Águas sagrou-se campeão em GTE-Am ficando à frente de Lamy que se sagrou vice campeão da mesma categoria.
Podíamos dar o desconto que o WEC ainda não é olhado com o respeito e a admiração que merece mas não quem acompanha minimamente o desporto sabe que são categorias de uma exigência e competitividade extremas e que subir ao pódio contra alguns dos melhores pilotos do mundo é sempre de louvar. Albuquerque, Águas e Lamy conquistaram o respeito e a admiração numa competição onde o nível é tremendo.
Mas não podemos desculpar a falta de qualquer tipo de referência nas primeiras páginas para os feitos de Tiago Monteiro e Félix da Costa. Ambos pilotos conseguiram aquilo que muitos apenas sonham... vencer na mais exigente pista citadina do mundo, onde apenas os melhores se conseguem evidenciar.
A vitória de Monteiro foi algo atribulada, dada a quantidade de bandeiras vermelhas e de paragens que aconteceram, mas o seu desempenho ao longo do fim de semana foi soberbo. Chegou, fez o primeiro tempo nos treinos livres, não repetiu a dose nos segundos treinos pois o turbo resolveu dar problemas, na qualificação fez 3º com um carro sem afinação para a chuva e claramente em desvantagem para a concorrência (o que já é um feito assinalável), foi ao pódio na corrida de qualificação e venceu a corrida principal, graças a uma largada fenomenal que deixou para trás 2 dos candidatos ao título nos TCR. Monteiro merecia que a sua vitória fosse conquistada de outra forma. Era capaz de apostar que Comini não o iria passar pois o Honda era mais rápido nas rectas e na secção sinuosa da pista a experiência e o conhecimento de Monteiro chegavam para dar conta do recado. Em 2014 aguentou muito pior e apenas o raio do motor na última volta é que resolveu estragar tudo. Mas mesmo assim a sua vitória é mais que merecida e vem coroar não só o desempenho deste fim de semana como os anos em que mereceu vencer e a pista lhe pregou partidas.
Mas se não quisessem falar de Monteiro, tinham de falar de Félix da Costa. O que Félix fez em Macau foi uma chapada de luva branca a quem duvidou do seu talento. O currículo de Félix está acima de qualquer dúvida e a BMW faz questão de manter o piloto português nos seus quadros ( o WEC está à porta para a marca e temos o feeling que o Formiga é primeira escolha) mesmo com a saída do DTM. Félix chegou a Macau com um convite em cima da hora da Carlin, e mostrou logo que era competitivo e que o tempo que esteve afastado do F3 não interessava. Fez o melhor tempo no primeiro dia, fez 3º na qualificação, venceu a corrida de qualificação e venceu a corrida principal.
Isto não é sorte. Isto não acontece por acaso. Isto é talento puro. O português venceu e convenceu perante uma concorrência muito forte pois os miúdos da F3 têm muito talento e nomes como Sims, Juncadella e Rosenqvist, têm também muita experiência no traçado macaense. Foram todos metidos no bolso! Foi provavelmente o melhor desempenho do piloto desde a sua primeira vitória em Macau. O português entra assim no restrito lote de pilotos que venceu por 2 vezes a mítica prova. Sabem quantos dos actuais pilotos de F1 venceram em Macau? Nenhum!
As grandes empresas portuguesas continuam sem apoiar o desporto motorizado.Félix correu sem patrocínios com um carro com apenas a cor da equipa. Quantas empresas nacionais não poderiam ter lucrado com a exposição que esta prova teve?
E isto é válido para Monteiro que também venceu, para Albuquerque que venceu corridas e é vice-campeão, para Lamy, para Águas, para Parente, para Oliveira… a lista de pilotos de excelência que garantem excelentes resultados é tão grande que, dado o tamanho do nosso país, deve ser uma anomalia estatística. Vivemos num país recheado de talentos mas onde se insiste na teoria do “os de lá de fora é que são bons”. Vivemos num país com gente com um talento tremendo que não é reconhecido. Vivemos num país onde as empresas preferem dar rios de dinheiro a um desporto que envolve negócios menos claros, polémicas de baixo nível, espectáculos de qualidade discutível, fumos, cuspidelas e bate boca, em vez de apostar noutras modalidades onde ao contrário do que acontece por cá, os nossos compatriotas são reconhecidos e valorizados.
Felizmente há pessoas a dar o exemplo e o nosso Presidente da República parabenizou publicamente os feitos de Monteiro e Da Costa. É bom ver que a entidade máxima do país reconheceu o esforço e o talento dos nosso heróis. Mas falta mais. Falta que a comunicação social deixe a futebolite de lado pelo menos de vez em quando e não nos presenteie com as capas de hoje, onde nem uma referência mínima é feita. Se no interior falam disso não sei nem quero saber. Já não compro muito e a vontade de comprar assim é pouca.
É verdade que os fãs também se afastam em demasia e que a paixão que outrora enchia as bancadas dos circuitos agora não chega para fazer as pessoas sair de casa. É verdade que as empresas não têm noção (ou não querem ter) do potencial que o desporto automóvel tem. É verdade que o grande público pede cada vez mais escândalos, e cenas menos dignas. Vivemos no tempo dos reality shows, onde o que antes eram cenas degradantes é agora comum e normal. Mas é preciso que cultura do mérito ainda faça sentido. É preciso louvar quem realmente é bom. E se a comunicação social fizer pelo menos isso, o desporto motorizado terá certamente muito mais tempo de antena e com isso atrairá mais investimento.
Querem ver como é feito lá fora? Esta é uma imagem que vi no Facebook de João Carlos Costa… dois pilotos nacionais que foram capa de jornal em Macau. Desta vez sim, concordo com a maioria… lá fora são melhores… dão valor a quem o merece.
Fábio Mendes