A guerra contra o desperdício e contra o uso pouco eficiente dos nossos recursos apenas recentemente começou a ter impacto nas nossas vidas. Agora os termos eficiência e economia são usados para vender e para escolher o que se compra. Nos motores essa realidade viveu-se com consequências drásticas pois com o diminuição obrigatória das emissões e com o aumento do preço dos combustíveis, as marcas tiveram de oferecer produtos capazes de superar esses problemas.
A solução encontrada foi a diminuição do tamanho dos motores. Antigamente a bitola que usávamos mentalmente era 1.5, 1.9, 2.0. Quando nos falavam de motores 1.5 associávamos logo a motores de rega e nem queríamos saber deles. Passado uns anos passamos a ter motores 1.0, 1.2 e 1.5 já é considerado um motor já de dimensões agradáveis. A forma como olhamos para os motores mudou muito devido a oferta e a aposta cada vez maior em motorizações minúsculas. Pensava-se que esse era o futuro e todos apostaram nisso e até nos desportos motorizados a tendência pegou.
O grande problema surgiu com o escândalo da VW. Para quem não se lembra, o grupo VAG incluiu nos seus motores um sistema que avaliava se estava a ser sujeito a uma bateria de testes. Quando o estava sob avaliação este mudava as características do motor de forma a que as emissões fossem baixas. Em andamento normal as emissões aumentavam assustadoramente (era o equivalente a ter um Ibiza fumarento na rua que quando era testado tira o chapeu e os brincos e se portava como um Micra). Infelizmente os engenheiros não se lembraram que poderia haver alguém que testasse os carros no dia a dia em andamento normal… algo que aconteceu e que desmascarou a jogada.
Com isso os testes de emissões foram revistos e agora deixaram de ser feitos em laboratório mas sim na rua e com critérios bem mais apertados. E foi essa mudança que veio mostrar que afinal os motores mais pequenos não são tão económicos e eficientes quanto os pintam.
Com estes novos testes, ficou provado que os motores mais pequenos, em regimes elevados poluem mais do que o esperado e que a economia que todos procuravam era falsa na maioria dos cenários reais. Por exemplo o novo motor do Volvo S90 D4 é 37.8% menos eficiente que o que a marca afirma, assim como o 1.6 TDI da Audi que em vez de fazer 4L/100km apenas fez 6.7L/100Km. Outro exemplo é o famoso ecoboost da Ford. Toda a gente elogiou a economia do motor mas segundo testes realizados andou por volta dos 11L/100Km em cidade e 8L/100km em auto-estrada.
Qual o problema dos motores? O seu tamanho, claro está. Como o bloco é mais pequeno precisa de rotações mais elevadas para chegar a potências decentes e só o conseguem com a ajuda dos turbos, que são parte essencial do “segredo” da eficiência. Como estes motores não conseguem viver sem turbo, este está constantemente a injectar ar fresco e o motor é “obrigado” a injectar mais combustível para fazer face a entrada de ar. Pior ainda: em situações de acelerações extremas a pressão dentro das câmaras de combustão aumenta drasticamente devido ao aumento da temperatura, provocando uma situação de risco em que o motor chamada de detonação. Para anular esse risco o sistema de gestão do motor injecta mais quantidade de combustível para arrefecer a câmara, resultando obviamente num aumento dos consumos pois parte do combustível usado nem é queimado sequer.
E depois há a questão do turbo que quando usado em altas rotações potencia a emissão de óxido de nitrogénio também nada amigo do ambiente.
A solução para já passa por aumentar o tamanho dos motores. Os construtores estão aflitos com as novas regras e os novos testes e a forma de evitar esse desperdício e aumento de emissões nocivas é colocar motores mais capazes sem o turbo e este complementar o trabalho do motor. Motores 1.2 e 1.3 darão lugar a 1.5 e 1.6 em muitos casos e os motores 1.0 poderão deixar de ser comercializados. Não dizemos que será já o fim dos motores minúsculos mas para já é um golpe forte no seu potencial. Não interessa se o motor é grande ou pequeno…o que interessa é que este seja eficiente, ou seja que transforme a maior percentagem possivel de combustível em energia. No que diz respeito aos consumidores, os números 1.5 ou 2.0 nem sequer representa nada em especifico. Os números que saem da carteira ao fim do mês para combustível sim são importantes.
A McLaren e a BMW estão a unir esforços para investigar e fazer um motor mais eficiente. A parceria entre as duas marcas deu no passado um dos melhores carros de sempre, o McLaren F1 que embora não tivesse um motor propriamente amigo do ambiente, tinha níveis de eficiência e de emissões muito bons para um motor daquele género. Desconfiamos no entanto que o motor que eles querem melhorar é o V6 1.6L turbo-híbrido que equipa os F1, numa manobra que pretende mostrar à Honda que tem de apresentar resultados rapidamente ou então perde o comboio.
Acreditamos que o futuro do automóvel virá da F1 e dos sistemas usados para aumentar a eficiência dos motores, que podem apresentar quase 50% de eficiência, um numero absolutamente fantástico. Numa altura em que se fala em retirar a componente de desenvolvimento tecnológico da F1 para aumentar o espectáculo, a F1 poderá servir de inspiração para os motores de amanhã e mostrar que o entretenimento pode andar de mãos dadas com o desenvolvimento.
O que irrita nisto tudo? A falta de transparência dos construtores e a nossa ingenuidade. Sabemos de antemão que motores mais fracos terão de rodar em regimes mais elevados mas mesmo assim acreditamos que os mais pequenos são melhores. Nem quando o Top Gear fez uma corrida de economia e o motor que venceu foi o de um Jaguar em comparação com o do minúsculo Polo.
Depois há a falta de transparência das marcas. Apresentam valores de consumos irrealistas que no dia a dia não se reflectem. Um elemento do Chicane comprou um ecoboost há pouco tempo. Não vou dizer quem é para ele não ficar envergonhado mas o homem molhava a roupa interior quando falava do ecoboost. Chegou ao stand e sabia mais do motor que o vendedor e comprou uma boa máquina é verdade… Eu também concordei com a escolha. Mas agora passado menos de um ano vê-se confrontado com a ideia que comprou gato por lebre e que afinal os motores são de facto económicos apenas em certas condições e que no dia a dia e principalmente nas mãos e nas pés (para não dizer tijolos) dele, não será tão eficiente.
É verdade que o conhecimento evolui e no passado os pediatras diziam que a melhor opção para as crianças era comer bifes e hoje em dia comer carne vermelha é quase tão perigoso como fumar. Nos carros acontece o mesmo, mas custa-nos entender como é que se pode chegar a um ponto em que se apresentam números que apenas acontecem em ambientes hermeticamente controlados. Se o escândalo VW não tivesse ocorrido talvez ainda hoje acharíamos que estávamos no bom caminho quando afinal não era assim. E o pior disto é que são marcas capazes de o fazer. Não tenho dúvidas que o grupo VW tem capacidade para desenvolver meios que garantam baixos níveis de consumos e emissões. Os fabricantes de carros já nos deram evoluções absolutamente brilhantes mas neste caso desiludiram-nos. Foram na onda do facilitismo, que neste momento assola o mundo e que cada vez mais nos coloca em situações dificeis (basta pensar no aquecimento global por exemplo). O mais triste disto tudo é que o mundo automóvel que adoramos e que achamos capaz tudo e mais alguma coisa não fez o que devia e enganou-nos não porque não tem os meios técnicos ou humanos, ou até por falta de dinheiro… Apenas porque não se quis aborrecer com isso. E isso deixa-nos tristes pois estávamos habituados a mais. Oxalá o futuro traga melhores caminhos.
Fábio Mendes