A ronda portuguesa do WTCR foi recheada de pontos de interesse. Afinal não é todos os dias que se recebe uma competição internacional deste nível… quer dizer, na região recebemos 3 campeonatos de topo mundial (WRX, WRC e WTCR), mas ainda assim é necessário fazer a devida vénia e agradecer a sorte de recebermos eventos desta qualidade.
WTCR- revisão da matéria
O WTCR trouxe uma nova vida à maior competição FIA de Turismos. No WTCC vimos máquinas fantásticas que tinham tanto de espetacular como de caras… só um motor do WTCC dava para pagar (à vontade) um carro TCR. Uma época no WTCC custava mais de um milhão de euros (falava-se em 1.5 milhões), enquanto que a época no WTCR deverá rondar os 600 mil euros. É caro para a realidade nacional, mas para outras realidades isto são trocos. A Loeb Racing colocou em pista 3 WTCC em 2017. Arredondando (muito) os custos em 2017, 4.5 milhões de euros foi o valor investido na última época do WTCC e em 2018 esse valor cai para…1.2 milhões. É uma diferença valente e estamos só a ver os dados por alto (muito alto).
E como se traduzia em pista esta diferença toda? Em 2016, o tempo mais rápido obtido no ETCC em qualificação na pista de Vila Real foi de 2:05.013, enquanto o tempo mais rápido no WTCC foi de 1:56.633 (diferença à volta dos 8 segundos). Em Nurburgring em 2017, o tempo da pole no ETCC foi de 9:14.391 e no WTCC foi de 8:38.072. Manuel Pedro Fernandes, um dos pilotos que experimentou as sensações de ambas as máquinas explicou-nos há algum tempo atrás as diferenças:
“Achei que o carro andasse mais, sinceramente, pois ao nível da potência e da velocidade não me surpreendeu, mas nas travagens e nas curvas é realmente excelente. É muito complicado nas travagens, pois é preciso aplicar muita força no pedal do travão, para além de termos de confiar muito no apoio aerodinâmico do carro.”
Mais uma vez fica provada a teoria que para ser rápido no desporto motorizado é preciso ser rápido nas curvas. Nas retas é “fácil”.
Recordadas as diferenças do passado, vamos apenas relembrar as especificações técnicas dos TCR antes de passarmos ao que realmente interessa:
Os TCR usam um motor de 4 cilindros em linha, até 2 litros, turbinado, com uma potência máxima de 350 cv e um binário que ronda os 400 Nm. É uma máquina de tracção dianteira e com caixa sequencial de 6 velocidades, podendo atingir velocidades na ordem dos 250 km/h.
BoP a sigla maldita
Quando a malta pensa em BoP as primeiras palavras que poderão vir à memória serão “vai dar mer** meu capitão!”. Não é bem o caso, mas é também algo complicado. Neste momento existem 12 marcas com carros TCR (a maioria feita pelas próprias marcas, mas alguns, fruto de projetos privados). Cada máquina tem características próprias e como já pudemos entender, é necessário um sistema que faça os carros terem performances o mais aproximadas possível. Falamos claro do famoso Balance of Performance. No início do ano foram feitos dois dias de ensaios em que foram comparados vários parâmetros como a potência, o binário, pontos de travagem, capacidade de aceleração, velocidade em curva, velocidade em recta. Tudo isto é tido em conta e os engenheiros responsáveis pela difícil tarefa de encontrarem um equilíbrio, fornecem então as famosas tabelas com alturas ao solo, potência máxima permitida, peso do BoP e lastro de compensação. São estas quatro vertentes que terão de equilibrar os andamentos dos 11 carros testados este ano. Claro que este equilibrio é variável e vai sendo ajustado mediante as performances dos carros. Um carro muito rápido vai levar com peso em cima e passado algumas corridas fica mais leve. Há quem diga que o BoP tem também uma vertente política, mas nem vamos por aí.
Agora que já vimos a matéria toda podemos passar ao que interessa: quando o WTCR chegou a Vila Real um dos motivos de interesse que mais nos entusiasmava era podermos comparar o andamento dos pilotos internacionais com os nacionais. Somos acérrimos defensores da qualidade dos pilotos nacionais e temos a convicção de que temos talento para dar e vender, mesmo que o automobilismo seja olhado de lado por muita gente.
O WTCR seria uma oportunidade excelente para compararmos directamente o andamento da malta nacional com as estrelas internacionais, afinal o material é “igual”. Acontece que o material não é igual e as condições também não são as mesmas.
Os Wildcards vs WTCR
Edgar Florindo e José Rodrigues tiveram a oportunidade de se baterem contra os melhores do mundo. Os mais distraídos poderão dizer que a prestação deles foi “fraca” (já vimos esse argumento por aí, felizmente dito por pouca gente), mas é preciso entender com que condições cada um deles participou na prova.
José Rodrigues teve uma dupla penalização: além dos 20kg dados aos Wildcards, teve direito a mais 60kg por ser a “estreia” daquele modelo na competição. Mais 80 Kg no Civic já desatualizado, sem esquecer a potência reduzida para 97.5%.
Para Edgar Florindo o desafio não era menor. Além da pouca experiência (não tinha ainda 15 corridas feitas nos TCR) tinha também de lidar com o handicap de mais 20 Kg e desde a corrida 1 que teve de ir para a pista com uma lesão que limitava (muito) os movimentos da sua mão direita.
Como podemos ver, os nossos rapazes não tiveram uma tarefa fácil pela frente. Em conversa com um responsável de uma equipa nacional, ficamos com uma ideia do quanto se perdeu. Segundo esse responsável, 30kg em carros com esta potência poderiam fazer perder aproximadamente 1 segundo/volta. A experiência dessa pessoa faz-nos acreditar nesse valor, embora tenhamos a noção que a perda possa não ser exatamente esta e que este valor varia muito, dependendo das inúmeras variáveis que afectam uma volta. Significa que aos tempos de Edgar Florindo poderemos tirar 0.6 para ter uma noção do andamento real do piloto (e vamos sempre esquecer a lesão que terá prejudicado a performance). Para José Rodrigues esse valor poderá ser de mais de 2 segundos. Mais ainda, numa das conversas que tivemos no paddock, ficamos a saber que as suspensões usadas nos Cupra de Filippi e Oriola eram melhores, dado o apoio direto da marca à Campos Racing e que se essas suspensões fossem aplicadas no carro de Florindo, os tempos do português poderiam baixar ainda mais (aproximadamente 1 seg.).
Por exemplo, na segunda qualificação Edgar Florindo ficou a 0.2 décimas da Q2… com menos 20Kg essa passagem seria feita sem problemas e o top 10 estava facilmente ao alcance (vamos esquecer a parte do material não ser o mesmo). José Rodrigues fez 2min03s na mesma sessão. Sem os 80 Kg e com a potência nos 100%, entende-se que a passagem à Q2 era também certa e que o top 10 também mais que provável. Ou seja os nossos rapazes andaram ao nível dos melhores, mesmo com braços ao peito, potência a menos e peso a mais.

CPVT vs WTCR
Também os tempos dos CPVT ficaram afetados com vários fatores: se pegarmos logo na diferença de material disponível para as equipas nacionais e a diferença nos lastros poderemos entender as diferenças em pista.
Pedro Salvador foi o homem mais rápido do CPVT, mas os tempos que fez ficaram longe dos tempos visto nos Cupra do WTCR. Justificação? Simples… o BoP.
Como, ao contrário do que acontece no WTCR, o BoP é poucas vezes referido nas competições nacionais. Tentamos entender como funcionava o BoP no CPVT e qual foi o BoP aplicado em Vila Real. A FPAK amavelmente atendeu ao nosso pedido e explicou-nos o sistema:
O Balance of Performance aplicado no CPVT tem por base a última versão do “Technical Bulletin” publicado pela “World Sporting Consulting” (entidade criadora do conceito “TCR”), distribuída aos promotores dos diferentes campeonatos/séries, e que pode ser consultado em http://racingweekend.pt/index.php/tcr/regulamentos.
Nesse boletim, a coluna “Compensation Weight” é dedicada a cada campeonato/série, e tem como forma de cálculo uma aplicação distribuída pela entidade acima referida aos promotores, onde são introduzidos os melhores tempos por volta de cada modelo de automóvel nas diferentes sessões de qualificação e de cada corrida. Introduzindo estes valores, a aplicação devolve o peso de compensação para o evento seguinte.
Exemplo, para a primeira prova do CPVT (Braga), as viaturas correram com o estipulado no boletim 9 (o que estava em vigor), com 60kg de Compensation Weigt para todos os carros. Terminado o evento, e após a introdução dos valores na aplicação da “WSC”, foram calculados os pesos de compensação para Vila Real. Após Vila Real, e com validade para a prova de Setembro, os pesos calculados são os que estão patentes no site acima descrito (ficheiro “Compensation Weight #2”), e no da FPAK (http://www.velocidade.fpak.pt/regulamentos, ficheiro “BOP TCR Racing Weekend Estoril”).
Assim o BoP para a prova de Vila Real foi o seguinte:
Como se pode ver, as diferenças são consideráveis em relação aos pesos aplicados no WTCR:
É fácil então perceber a diferença de andamentos do pelotão nacional em relação ao WTCR… os BoP são diferentes. Se formos aplicar a mesma “fórmula” referida acima, tirando 1seg a cada 30 Kg podemos ver que os tempos de Salvador podia facilmente chegar ao nível dos homens do WTCR. Salvador fez 2m 04,525s na qualificação 1 e 2m04,302s na qualificação 2. Tirem os 60Kg a mais e vejam onde poderia ficar o piloto luso. Mais ainda, as qualificações foram feitas na sexta feira, com a pista ainda “verde” longe dos níveis de aderência ideais. Num citadino isso faz muita diferença, e não esquecendo que no dia anterior choveu (e muito) e que a pista para ganhar aderência demorou mais.
Conclusão
Pudemos ver de perto as prestações de Florindo e Rodrigues e sabemos bem o que eles sentiram e o que eles acharam da concorrência. Tiveram de lutar com armas diferentes e em condições distintas dos restantes. Ficamos muito orgulhosos das prestações de ambos e continuamos a dizer que nos orgulharam muito. Também sabemos do valor dos pilotos do CPVT, sabemos que nada ficam a dever a outros pilotos do WTCR e temos a convicção que com as mesmas condições fariam igual ou melhor. Não nos podemos esquecer que as estruturas portuguesas são apenas clientes (no caso da Sports &You o cenário é diferente com o apoio da Peugeot) e que no WTCR as equipas têm apoio direto com material do melhor.
Este texto poderá ser encarado por alguns como uma justificação para andamentos menores e mais uma repetição do discurso do “coitadinho”. Aliás quem achar isso pode fazer o que a grande maioria faz… não ler este blog. O que queremos aqui comprovar, mesmo sem os dados sólidos que gostaríamos (os dados apresentados foram retirados de conversas de pessoas que têm muita experiência em corridas, mas que obviamente carecem de um estudo mais profundo e não devem ser levados “ao pé da letra”) é que a “nossa malta” portou-se muito bem, que temos muito talento por cá e se por algum acaso alguém resolver investir a sério no automobilismo nacional, vamos ter muitos motivos de alegria.
É por acaso que nomes como João Barbosa, Filipe Albuquerque, Álvaro Parente, Pedro Lamy, António Félix da Costa são olhados com admiração e respeito lá fora, quer por fãs e principalmente pelas equipas que com eles trabalham?

É por acaso que os Franciscos (Abreu e Mora) estão a mostrar qualidade no TCR Europe e que o Mora venceu em Hungaroring? Podemos não ter o mesmo material nem o mesmo tempo para mostrar a qualidade (isto da sorte também exige tempo e sem dinheiro, a margem para falhar é incomensuravelmente menor). Mas a velocidade nacional tem malta que merece respeito, admiração e de vez em quando uma oportunidade para brilhar ao mais alto nível. Vila Real provou isso, embora não seja visível à primeira vista.
Não quisemos aqui valorizar mais ou menos a participação de ninguém. Quisemos enaltecer apenas as diferenças que por vezes são esquecidas, da nossa realidade com a dos “grandes dos turismos”. Quisemos mostrar que os nossos pilotos e as nossas estruturas têm qualidade para andarem lá fora e mostrar serviço, mas quisemos mostrar também que o automobilismo exige investimento e aí nem sempre jogamos com as mesmas armas. Mas no braço, não devemos temer ninguém.