Por: Francisco da Silva Santos
Na busca de se nomear o melhor piloto de todos os tempos, a grande maioria das pessoas divide-se entre Michael Schumacher e Ayrton Senna, ou até mesmo Juan Manuel Fangio e Alain Prost. No entanto existe um piloto que também é considerado por muitos como o melhor piloto de sempre. Este é um rapaz simples, filho de fazendeiros, cuja paixão pelo automobilismo nunca foi apoiada pelos pais, que olhavam para o automobilismo como um hobby caro e perigoso para o seu filho varão. Falo de Jim Clark, 2 vezes campeão mundial (1963 e 1965) e vencedor das 500 Milhas de Indianápolis de 1965.
À partida, “apenas” com este palmarés, nenhum piloto teria condições para ser um candidato a melhor de sempre, porém não são poucos os especialistas que o colocam a par de Senna e Schumacher.
Tudo mudou na vida de Jim Clark no ano de 1959, numa corrida de GT em Brands Hatch no “boxing day”, quando quis o destino que Clark encontrasse Colin Chapman como adversário. Clark dominou a corrida, no entanto este foi atrapalhado por um retardatário que rodou na sua frente e consequentemente o prodigioso piloto acabou por perder a liderança para Chapman.
Apesar da derrota, o talento de Jim Clark foi suficiente para chamar a atenção de Colin Chapman. No ano seguinte no GP da Holanda, Clark estreou-se na Fórmula 1, na Lotus, equipa que era liderada por… Chapman. E assim nasceu uma das parcerias mais bem-sucedidas da Fórmula 1, com 25 vitórias e 33 Pole Positions.
Estilo de Condução
Numa altura em que se verificava uma maior diferença de estilos entre os pilotos de grelha, Clark conseguiu destacar-se pelo seu estilo ainda mais diferenciado. Até um adepto menos atento conseguia facilmente distinguir a abordagem de Clark á curvas da dos restantes “gladiadores”.
Nos anos 60, os carros tinham muito menos apoio aerodinâmico e eram muito mais diferenciados uns dos outros, sendo que as máquinas estavam mais distantes da perfeição, logo cada condutor tinha uma condução muito própria.
Hoje em dia, as derrapagens são vistas como um desperdício de tempo, porém naquela altura eram bastante comuns e vistas como uma maneira fazer as curvas mais rapidamente.
A grande diferença entre Clark e os restantes, era o facto de Clark ajustar a derrapagem à curva, apontando de forma exata o carro para a reta seguinte sem grandes correções de trajetória, logo a derrapagem era feita de forma suave, distribuindo o desgaste pelos quatro pneus.
“Quando um piloto se aproxima de uma curva, não deve tirar o pé de uma vez do acelerador. Ele precisa de tirar gradualmente para não sentir a desaceleração, e aí pisar gentilmente o travão. A mesma coisa acontece no volante: o primeiro movimento precisa ser gentil para só depois virar mais. O piloto gasta menos combustível, menos pneus e menos travões. Suavidade é a palavra.”
Carreira na Fórmula 1
A última corrida de Clark na F1, foi também a sua 25ª vitória, e com esse triunfo o piloto escocês ultrapassou o recorde de Juan Manuel Fangio, como piloto com mais vitórias na F1. Claro que o seu recorde foi batido posteriormente e não se compara com as estratosféricas 91 vitórias de Schumacher. No entanto, há que ter em conta que Clark venceu 34,2 % das corridas do mundial de F1 em que participou, enquanto que o piloto alemão venceu 29,5%, pois a carreira de Clark foi bem mais curta, devido ao seu fatal acidente em 1968 e na altura havia menos corridas por ano. Um recorde que Jim Clark ainda detém é o de maior número de “Grand Slams” (Pole Position, Vitória, Volta mais rápido e Liderar todas as voltas) com 8.
Outro aspeto a ter em conta é o facto do carro da Lotus, na altura apesar de muito rápido, também tinha problemas de fiabilidade (preço a pagar por tantas inovações), sendo que Jim Clark acabou por abandonar muitas corridas em que dominava, o que acabou por custar vitórias e quem sabe campeonatos ao piloto britânico.
O “ano perfeito”
O feito que mais contribuiu para a criação do mito de Jim Clark foi a sua época de 1965, que pelos especialistas é vista como a época e que um piloto chegou mais próximo da perfeição.
Durante a “off season” da F1, atraídos pelo verão no hemisfério sul, alguns dos pilotos de topo da Fórmula 1 viajavam para a Austrália para participar na Tasman Series, um campeonato de monolugares visto como um troféu de prestígio na pré-época (uma espécie de International Champions Cup no Futebol). O “ano perfeito” de Jim Clark começou bem cedo, ao garantir o título com 4 vitórias em 7 corridas.
Para a época de 1965 a Lotus não só queria vencer o campeonato mundial de Fórmula 1 pela segunda vez, como queria continuar na sua busca pela vitória nas 500 milhas de Indianápolis. De modo a alcançar o 2ª objetivo, a Lotus teria que abdicar da participação no Grande Prémio do Mónaco devido a conflito de datas, o que podia comprometer a classificação no campeonato do mundo, porém os objetivos eram bem claros, logo a decisão de viajar para Indianápolis foi feita. Outra razão que ajudou nessa decisão era o facto de naquela época apenas os 6 melhores resultados nas 10 corridas, contavam para o campeonato.
A temporada de Fórmula 1 começou na costa do Oceano Indico, com o Grande Prémio da África do Sul, onde Jim Clark teve o fim de semana perfeito, com Pole Position, vitória, volta mais rápida e ainda liderou todas as voltas. Jim Clark mostrava assim o seu favoritismo para o campeonato.
Em maio, chegou a altura de viajar para o estado de Indiana para participar nas 500 milhas de Indianápolis. Jim Clark e o seu Lotus 38 foram exímios, liderando 190 das 200 voltas no “brickyard”. Clark triunfou contra pilotos muito mais experientes na modalidade Champ Car e pilotos muito mais habituados a correr em ovais. Com esta vitória, o piloto britânico começou a alcançar o estatuto de lenda no automobilismo.
De regresso ao campeonato mundial, as vitórias continuaram a aparecer. Seguiram-se mais 5 corridas no campeonato e Jim Clark venceu-as todas, garantindo assim o título mundial de pilotos e também o título mundial de construtores para a Lotus, sem vacilar. Com as 6 vitórias nas 6 primeiras corridas de Fórmula 1(pertencentes ao campeonato) em que participou, Clark garantiu a pontuação máxima possível no campeonato, feito que já haveria alcançado 2 anos antes.
Mesmo até aos dias de hoje, nunca nenhum piloto para além de Jim Clark venceu o campeonato mundial de Fórmula 1 e a Indy 500 no mesmo ano.
Ironicamente nas 3 restantes corridas do campeonato, Clark não conseguiu chegar ao fim em nenhuma, não devido a erros do piloto, mas sim a problemas no carro. Problemas que Clark conseguia fazer com que se repetissem o menos vezes possível, devido à sua suavidade e mestria ao volante da sua máquina.
Para além de no mundial vencer todas as corridas em que o carro chegou ao fim, de vencer as 500 milhas de Indianápolis e a Tasman Series, Clark ainda venceu 2 das corridas de F1 que não faziam parte do campeonato e ainda participou em algumas corridas de F2 e do BTCC (Campeonato Britânico de Carros de Turismo), vencendo 5 e 2 corridas, respetivamente.
Versatilidade
Naquela altura, os pilotos de F1 não se restringiam ao campeonato mundial, isto porque os calendários eram menos exigentes e também porque o dinheiro ganho na Fórmula 1 era muito menos, logo era possível ver um campeão mundial de Fórmula 1 a competir em várias categorias de Fórmulas ou até mesmo no campeonato britânico de carros de turismo (imaginem nos dias hoje vermos o Lewis Hamilton em corridas de Formula E, Formula Indy ou nas 24H Le Mans …).
Ao analisar a época de 1965, já se pode concluir que Jim Clark era um piloto dotado em qualquer categoria, mas a vitória na Indy 500 e umas vitórias ocasionais noutras fórmulas e no BTCC não foram meros acasos.
Para além da vitoria nas 500 milhas de Indianápolis de 1965 e do 2º lugar na sua defesa do trono da Indy 500 em 1966, Jim Clark já haveria terminado em 2º na edição de 1963, naquela que era a sua primeira corrida na categoria. Também no campeonato Norte Americano de Champ Car, o piloto britânico venceu as 200 milhas de Tony Bettenhausen de 1963, ou seja, no campeonato americano, Clark fez pódio em todas as corridas que acabou (Clark participou em 9 corridas, completando a prova em 4 ocasiões). Isto num campeonato com grandes lendas como A.J. Foyt e Mário Andretti e ainda com muitos outros pilotos de qualidade que passavam o ano todo naquela categoria, ao contrário do piloto escocês.
Já na categoria de carros de turismo, Jim Clark venceu o BTCC em 1964, mostrando que podia ser campeão em qualquer categoria. Clark ainda teve tempo para vencer várias corridas de GT durante a sua carreira.
A única coisa que escapou a Clark, foi a vitória nas 24h de Le Mans, prova em que Jim Clark ainda fez um pódio em 1960, porém Clark nunca tentou a vitória já no auge da sua carreira e caso a sua carreira não fosse fatalmente encurtada, talvez Clark teria vencido Le Mans e consequentemente a Tríplice Coroa do automobilismo (GP Mónaco ou Campeonato mundial de F1; Indy 500; 24h Le Mans).
Um Deus no volante…
Jim Clark deixou um legado de perfeição, de misticismo e de excelência, que pilotos como Lewis Hamilton (5x campeão mundial) ainda procuram deixar. O patamar a que Jim Clark chegou era de tal forma divino, que os entusiastas da altura o viam como um piloto imune a acidentes graves, numa época onde o automobilismo era uma pura carnificina. No entanto no dia 7 de maio de 1968, infelizmente essa imunidade acabou e Jim Clark deixou o nosso mundo.
Adoro conteúdo histórico. Fantástico artigo. Muito bom.
Cumprimentos
GostarLiked by 1 person