Fórmula E: A lição de Félix da Costa

O dia 9 de Agosto de 2020 ficará marcado para sempre na história do automobilismo nacional. António Félix da Costa sagrou-se campeão de Fórmula E, mas mais que isso… mostrou que a alma lusitana é grande!

É difícil não gostar de Félix da Costa. A sua postura sorridente e descomplexada promove sempre conversas sinceras, bem dispostas e leves. Se há pilotos que pela sua atitude dificultam o nosso trabalho, Félix da Costa é o completo oposto. A conversa acaba sempre com um sorriso e a inevitável expressão “este tipo além de talentoso é um porreiro”. Mas já se sabe que o desporto motorizado está cheio de “tipos porreiros” que nunca conquistaram nada. Félix da Costa desde sempre que lutou contra isso e sempre quis ser o melhor em tudo o que fez.

O jovem português começou a dar nas vistas em 2008 e 2009, na Fórmula Renault 2.0. Em 2011, mostrou-se na Fórmula Renault 3,5 que na altura era a melhor escola para subir à F1. O primeiro ano na competição não deixou margem para dúvidas e o talento do português ficou à vista com quatro vitórias e um quarto lugar final, apesar de não ter feito as cinco primeiras provas do ano. Em 2013 era candidato ao título e o piloto com mais hipótese de subir à F1 na hierarquia do programa de jovens da Red Bull. O ano não lhe correu de feição e além de lutar contra dois jovens talentosos (Kevin Magnussen e Stoffel Vandoorne), a sorte parecia não querer nada com o português, que viu a falta de fiabilidade do seu monolugar custar-lhe pontos importantes. Mas apesar dos contratempos, a porta da F1 parecia escancarada e a Toro Rosso seria a sua equipa em 2014, mas um tal de Daniil Kvyat, do nada, passou a ser a primeira escolha e Félix da Costa foi obrigado a deitar ao lixo o fato e banco que já estavam feitos à medida para a sua estreia na Toro Rosso.

Assistimos ao desenrolar desta história com tristeza, alguma azia e muitos afirmavam ter sido a maior injustiça do programa da Red Bull. Tanto que o português se manteve como piloto da Red Bull (algo que nunca antes tinha acontecido), não fosse o russo borrar a pintura, algo que aconteceu, mas já depois do timing de entrada de Félix da Costa se ter esfumado.

Foi para o DTM, um campeonato interessante, mas onde nem sempre os melhores ganham e onde a política ganha por vezes um peso desmesurado e apostou na Fórmula E ainda numa altura que a maioria olhava com desconfiança para o projeto. Apostou forte na nova competição, mas andou por equipas modestas onde conseguiu a espaços mostrar todo o seu talento, mas nunca com a regularidade que queria, dada a qualidade inferior do material que tinha à disposição. Esperou pacientemente pela entrada da BMW, com quem manteve ligação desde a sua ida para o DTM, tendo também corrido no endurance pela marca bávara.

O seu esforço parecia ser recompensado com a entrada em força da BMW na Fórmula E e a vitória na primeira corrida era um raio de sol no que tinha sido até ao momento uma caminhada algo sombria pela Fórmula E. Mas o português depressa entendeu que faltava algo à BMW… faltava algo que não permitia ainda lutar por títulos e por isso, quando surgiu o convite da DS Techeetah, a vontade de mudança falou mais alto. Para surpresa de todos, Félix da Costa aceitou o desafio de se juntar à equipa campeã, casa do bicampeão em título, numa aposta que parecia arriscada demais.

Não foram fáceis os primeiros tempos na equipa, sendo obrigado a impor-se gradualmente numa estrutura que poderia tendencialmente inclinar-se para Jean-Éric Vergne, algo que seria compreensível. Também teve de lidar com o feitio difícil do francês, que não abdicou facilmente do rótulo de estrela da equipa. A tudo isso respondeu com trabalho dedicação e a fé do costume, conquistando a equipa corrida a corrida.

Mas em 2020, neste maldito ano que tanto nos tirou, estava escrito que iríamos sorrir com uma conquista lusa. Depois de duas corridas difíceis, Félix da Costa arrancou para uma série imparável de cinco presenças no pódio (dois segundos lugares e três vitórias), mesmo com um largo interregno por causa da Covid-19, que não retirou o ímpeto ao português. Pelo contrário, tal parece ter feito o #13 subir o nível, tal a forma como se impôs nas duas primeiras corridas em Berlim, palco das seis últimas corridas desta estranha época. As duas primeiras qualificações foram estupendas, deixando a concorrência bem à distância e nas corridas controlou as operações da melhor forma. Na terceira corrida conseguiu uma excelente recuperação e na quarta selou o título com a sexta visita ao pódio deste ano.

Mas este resumo da história não faz justiça ao campeão. Nele não consta os momentos de frustração dos momentos maus, nem os dias em que custou sair de casa para treinar para um objetivo que por vezes parecia longe demais, nem as inúmeras vezes que foi preciso manter o sorriso embora por dentro a vontade fosse de mandar tudo ao ar e acabar com a frustração. Félix da Costa foi humilde no seu discurso de consagração relembrando esses momentos negros, assim como o apoio de todos os que o rodearam nesta caminhada. Félix da Costa festejou vitórias no DTM, no WEC, em Macau (por duas vezes) e provou sempre que teve a oportunidade que é um piloto de classe mundial. Mas faltavam os tão desejados títulos e as vitórias a um ritmo mais regular. Este ano, com as ferramentas certas para isso não desperdiçou.

Tiago Monteiro disse uma vez que o segredo para se ser um grande piloto é a força mental. E os números não mentem. Lewis Hamilton que é considerado o melhor neste momento tem uma taxa de vitórias de 34%. Michael Schumacher tem uma taxa de vitórias de 29%. Significa que até o mais bem sucedido dos pilotos passa a maior parte do tempo afastado das vitórias. São esses momentos que definem os campeões. São esses momentos sombrios que mostram a força dos que irão voar mais alto. É por isso que Félix da Costa é um justo campeão e é por isso que nos devemos encher de orgulho. Porque soube ter a perseverança para aguentar os momentos menos bons e manteve a confiança em si, mesmo quando isso parecia difícil de fazer.

Num pais que nem sempre dá o devido valor a atletas que não usam a bola no pé, Félix da Costa foi a personificação da verdadeira alma lusitana que por vezes parece esquecida… Foi à luta, mesmo sem ter os mesmo meios dos outros, nunca desistiu e quando lhe deram uma verdadeira oportunidade, brilhou ao nível dos melhores. É um triunfo tipicamente português, na raça, no crer, na fé, mas com a classe de quem tem talento para dar e vender, sem esquecer a humildade de reconhecer e agradecer a quem lhe deu as primeiras oportunidades.

Neste miserável ano de 2020, só nos resta agradecer ao nosso Formiga por nos ter dado esta alegria, por ter colocado a bandeira lusa no topo do mundo e por nos relembrar que o fado lusitano nem sempre tem de ser triste e resignado, mas que pode (e deve) ser de superação e de conquistas. Por fim, dar-lhe os parabéns por se ter tornado num exemplo para todos nós. É nossa!

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